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Prezados visitantes, prezados guaçuanos e guaçuanas de nascimento, ou de coração, como eu,
Graças à extrema gentileza do Sr. LUIZ GONZAGA MARTINI, vai abaixo a transcrição de seu precioso livro "A Família Martini - 1796 a 1936".
A propósito de contar a história do casal Beppe e Beppa (Giuseppe Martini e Giuseppa Armani), o autor conseguiu escrever uma deliciosa crônica onde entram como ingredientes uma visão da Itália pré-unificação, os fortes laços de parentesco das famílias Martini e Armani no lugarejo denominado Vilmezzano, "Comune di Caprino Veronese", em Verona, Região do Vêneto, Itália, a decisão das famílias pela vinda ao Brasil, a vida do Padre Armani, o maravilhoso "padre engenheiro" que não poderá jamais ser esquecido, Mogi Guaçu das grandes Cerâmicas e seu distrito Estiva.
Trata-se, como poderão comprovar, de leitura agradabilíssima e obrigatória a todos aqueles que desejam saber a verdadeira história dos Municípios de Mogi Guaçu e Estiva Gerbi, os quais não teriam a importância que hoje têm não fosse a coragem dessa gente retratada no livro.
A história de uma cidade é a história de sua gente!
Muito grata, Sr. LUIZ GONGAZA MARTINI, pela gentileza de me permitir tornar pública a saga de sua família e por tê-la retratado com cores tão vivas e com um sensível e apaixonado "cuore"!

Lea Beraldo


Primeira Parte


 
- A união das famílias Martini e Armani.  
- Beppe na luta pela união italiana.
- A vinda de Padre Armani para o Brasil.
- A vinda de Beppe eBeppapara Mogi Guaçu.
- A vinda dos Brunelli e o início das olarias.
- Finalmente chega Silvio Martini.

 

No verão de 1796, dois meninos, Martino Martini e Giuseppe Armani, muito amigos, pescavam no ribeirão Tasso ou brincavam nos caminhos e campos de Vilmezzano, nas poucas horas que tinham livres, pois na maior parte do tempo, além de freqüentar a escola, (que funcionava anexa a igreja de Nossa Senhora do Carmelo, e era dirigida pelo pároco local), precisavam ajudar seus pais nas duras lidas dos campos. Durante o inverno, em que não havia trabalho nas lavouras, eles ganhavam algumas moedas ajudando os proprietários dos moinhos, como o dos Marangoni, ou outros estabelecimentos (tecelagens, tinturarias, ferrarias, etc). Essas pequenas indústrias, modernas para a época, aproveitavam energia produzida pelo represamento da "Torrente deliaBergola", que era cheia de desníveis.

Nesse verão, os meninos estão alheios ao que acontece há menos de 200 km dali, onde 4.000 soldados franceses estão acampados na "Piaza San Marco", em Veneza, que pela primeira vez, em mais de 10 séculos de sua história, é ocupada por um exército estrangeiro. Realmente a pequena, mas poderosa e influente "República de Veneza", sempre evitou o uso das armas. Seus governantes, os "Dodges" sempre usaram a diplomacia e as negociações para resolver mais facilmente suas pendências com outros países. Por isso era chamada, principalmente pêlos seus habitantes, de "República Sereníssima", ou simplesmente "La Sereníssima". Mas Napoleão Bonaparte, não quis saber disso. Seus planos estratégicos na guerra contra a Áustria exigiam a ocupação do litoralnorte da Itália, no mar Adriático e ele não titubeou!

Os meninos, e a maioriados vilmezzanenses não haviam sentido ainda as conseqüências dessa guerra. A sua região, bem como boa parte da província de Verona (incluindo o município de Caprino Veronense, onde estão dezenas de pequenos povoados "paese", como eles dizem como: Vilmezzano, Pazzon, Porcino, Braga, etc), não fora ainda molestada pêlos invasores, embora a divisa com a Áustria não estivesse muito longe dali.

Vilmezzano vivia então, há alguns anos, uma época de grande atividade econômica, cultural e até administrativa. Realmente funcionava ali, um cartório ("Anágrafe") com jurisdição sobre vários povoados vizinhos, onde eram registrados nascimentos, casamentos e mortes dos habitantes da região.

Martino e Giuseppe, já mocinhos, tinham terminado seu aprendizado na escola, quando em 1801 viram chegar as forças de Napoleão. Elas haviam vencido os austríacos, que até então ocupavam boa parte do norte da Itália, chegando seu domínio até próximo da região Baldense, onde viviam nossos "heróis".

A ocupação francesa mudou completamente o modo de vida dos habitantes de Vilmezzano, pois todo poder administrativo e as atividades educacionais e culturais foram concentrados em Caprino, com reflexos sobre as atividades econômicas.

Nessa ocasião, têm início as ligações indiretas, impalpáveis, das famílias Martini e Armani com o Brasil e, conseqüentemente, de Vilmezzano com Mogi Guaçu. Realmente esse general francês que teve tanta influência nos destinos da região "baldense", teve também enorme influência sobre o destino do Brasil quando desencadeou o processo da independência ao invadir Portugal e provocar a fuga de D. João VI, com toda a corte e a nobreza para a América.

Observa-se então que a mesma pessoa, que tanto influiu nos destinos do Brasil, provocou também a decadência de Vilmezzano, tornando a vida mais difícil para Martino e Giuseppe que, já adultos, continuavam amigos, apesar de algumas rusgas causadas por ciúmes nos meneios para a conquista dos corações das moças da região. Finalmente, com os casamentos, tudo se acomoda. Martino Martini casa-se com Rosa Zoara e Giuseppe Armani com Angela Gagliardi.

E vêm os filhos: Luigi, do Martino e da Rosa, nasce em 06 de maio de 1810, e Domênico, do Giuseppe e Angela, em 10 de maio de 1812 (os outros frutos desses casamentos são parte de outra história).
 

FILHO DE 
MARTINO MARTINI 

ROSA ZOARA
FILHO DE 
GIUSEPPE ARMANI 

ANGELA GAGLIARDI
LUIGI MARTINI nascido em 06.05.1810 DOMENICO ARMANI nascido em 10.05.1812

Após alguns anos de dificuldades e adaptações, Vilmezzano se recompõe e volta a gozar a tranqüilidade tanto desejada por seus habitantes. Entre eles, Luigi Martini e Domênico Armani que, como seus pais, passam a infância e a juventude como amigos, com as mesmas rusgas causadas pêlos namoros. Mas desta vez a solução foi mais fácil.

Tendo Domênico se casado com Caterina Bertoldo, Luigi passou a visitar o amigo e assim manteve um contato mais estreito com a família de Caprina, resultando com isso o namoro e, alguns anos depois, o seu casamento com Maria Bertoldo.

Luigi e Maria criaram 5 filhos. Já Domênico e Caterina criaram três, todos muito importantes para este relato.
 

FILHOS DE 
LUIGI MARTINI 

MARIA BERTOLDO
FILHOS DE 
DOMENICO ARMANI 

CATERINA BERTOLDO
Giuseppe, nascido em 23.06.1.840
Felice, nascido em 25.02.1844 
Angelo, nascido em 30.06.1845 
Letizia, nascida em 21.07.1846 
Luigi, nascido em 21.08.1855
Giuseppe, nascido em 09.06.1835
Francesco, nascido em 09.03.1837 
Giuseppa, nascida em 11.10.1839

Quando Giuseppe, filho de Luigi e Maria, estava na escola, ele acompanhava com atenção e perplexidade uma movimentação diferente na igreja, dedicada à "Virgine dei Carmelo". Em frente à imagem da padroeira havia um círio perpetuamente aceso e ali se reuniam as pessoas para orar, implorando a vitória e a união da pátria amada. Giuseppe, então com 8 anos, ouvia sem entender bem, as explicações dos mais velhos:

Estavam ocorrendo muitos combates. Os italianos, com grande patriotismo, estavam conseguindo algumas vitórias contra as poderosas forças austríacas que ainda ocupavam boa parte do norte da Itália.

Num triste dia de 1848, o garoto, ao sair da escola, viu chegarem alguns soldados austríacos que, atormentados com as derrotas, vieram descarregar sua ira contra a "Virgine dei Carmelo". Irritados com as preces, eles expulsaram os fiéis que estavam rezando no templo, retiraram a imagem venerada pelos habitantes e odiada por eles. Colocaram-na sobre uma laje e puseram-se a fuzilá-la. Os fiéis, impotentes, nada puderam fazer, a não ser vaiar os vândalos. Logo que estes se foram, levaram a imagem para um lugar mais seguro: o moinho dos Marangoni, que ficava praticamente escondido no vale de "Bérgola".

Esse acontecimento, que impressionou muito o menino, fez com que ele procurasse se informar mais sobre o assunto. Ficou sabendo então, que as tropas italianas, comandadas pelo marechal Cavour e por Giuseppe Garibaldi estavam conseguindo grandes vitórias contra as tropas da Áustria, e reconquistando importantes partes do norte da Itália.

O menino ouve também, pela primeira vez, o nome do Brasil, que iria ser muito importante para ele, quase meio século depois. Realmente, ouvindo as conversas sobre a guerra, ficou sabendo que Garibaldi havia participado de guerras internas no sul do Brasil, e agora retornava para lutar por sua Pátria, trazendo consigo sua mulher brasileira, Anita. nDevido a essas atividades guerreiras, na América do Sul e na Itália, ele estava sendo chamado de "Herói dos dois mundos".

Aguçado pela curiosidade, o Beppe interrogou os mais velhos. Queria saber mais sobre o Brasil. É um "paese", lhes disseram. Um "paese" como nosso Vilmezzano? Não. É uma nação muito longe daqui, na América. Do outro lado do mar. É muito grande, quase 30 vezes maior que nossa Itália.

Durante algum tempo, o coração do Beppe bateu descompassadamente. Sentia vibrar dentro de si dois grandes desejos: Primeiro servir sob as ordens dos dois grandes heróis, Cavour e Garibaldi e, segundo conhecer o Brasil. Ou mesmo morar nesse país, que tinha uma imensidão de terras, em vez de pequenas glebas de sua região.

O primeiro desejo se concretizou em 1860, quando foi recrutado para o serviço militar regular da classe de 1840.Os meses que antecederam sua apresentação ao exército foram muito tormentosos para o Beppe. Era uma decisão muito difícil. Alguns parentes e amigos o aconselhavam a não se apresentar, pois ele iria quase imediatamente para os campos de batalhas. Há vários anos a situação na Itália, principalmente no norte, era de muita agitação bélica. Isso por dois motivos, ambos impulsionados pelo movimento chamado “Ressurgimento”, uma onda de patriotismo que pretendia livrar o país da ocupação por estrangeiros, de grandes partes de seu território e concomitantemente promover a unificação da Pátria.

O povo italiano, falando o mesmo idioma (embora entremeado por dialetos regionais), com muita identidade econômica, mas sobretudo unido por uma admirável cultura comum, em todos seus ramos: pintura, escultura, ciências, música, literatura, arquitetura, etc., em que sobressaiam muitos dos maiores nomes da cultura universal, como Lenardo da Vinci, Miquelangelo, Verdi, Galileu Galilei, Dante Alighieri, Boccaccio, Pirandelo, Alessandra Volta, Luigi Galvani e quantos mais, não se sentia realizado.

Esse admirável povo viveu desde a queda do Império Romano desunido administrativamente. Não havia um governo central, uma nação no sentido mais abrangente! O que havia era uma verdadeira colcha de retalhos, constituída por inúmeros pequenos países, as vezes cidades/estados, minúsculas repúblicas, principados, ducados e até inexpressivos reinos:Veneza, Gênova, Florença, Nápoles, Sicília, Parma, dezenas deles. Cada um tinha seus próprios governos, sempre frágeis, dependendo da ajuda econômica e militar dos países estrangeiros para sobreviver. Franceses, Alemães, Austríacos e até a longínqua Espanha, aproveitavam-se disso e, por vários interesses auxiliavam essas pequenas comunidades para tirar partido da situação, levando sempre suas vantagens.

Era premente que se criasse uma Itália unida sob um governo centralizado. E a cidade ideal para sediar esse governo não podia ser outra senão Roma! A "Cidade Eterna", fundada (segundo a lenda) por Rômulo e Remo, há 2.600 anos, reunia os maiores requisitos para esse mister: uma enorme tradição como sede do "Império Romano". Império esse que os italianos sonhavam ver renascido na sua Itália unida. Naturalmente em muito menor escala, mas com um forte sentimento de patriotismo. Afinal o maior império que já existiu teve no território italiano, não só a sua origem, mas a sua porção mais importante sob todos os aspectos: econômico, administrativo, militar e muitos outros. Além desse lado tradicional a localização de Roma no Lazio (a região mais central da península) era importante. Realmente, nessa região o esfacelamento territorial era menor, mesmo porque, ali se localizavam os territórios pertencentes ao papado, que por meio de tratados com a igreja se incorporariam facilmente à nação que estava ressurgindo, fazendo prever um futuro livre e brilhante para a "Itália unida tendo Roma como Capital".

Devido a esses fatos o povo italiano se inflamava com o duplo objetivo cultuado pelo "Ressurgimento": libertar e unificar o país!Porém esses objetivos faziam com que a península fosse tomada por uma verdadeira convulsão bélica.

E era esse clima de guerra, que assustando parentes e amigos do Beppe, aconselhavam-no a fugir do exército. Além disso, ele estava namorando sua parente Giuseppa Armani e planejavam se casar logo, o que justificaria o seu gesto: a deserção.

Por essa ocasião ele procurava ouvir sempre uma pessoa que prezava muito: o irmão de sua noiva, Giuseppe Armani. Além de ser 5 anos mais velho, esse homem tinha uma cultura bem superior a de seus amigos e parentes, pois era padre, havia estudado muitos anos. Ele morava em Ferrara de Monte Baldo, onde era coadjutor do vigário, a poucos quilômetros de Vilmezzano e o Beppe foi lá para ouvir sua opinião.

Os conselhos do padre fizeram despertar o patriotismo latente no coração "vilmezzanense". Esse patriotismo tornou-se mais ardente quando conjugado com a aspiração que vivia em seu íntimo de lutar sob o comando dos dois heróis que estavam entusiasmando toda Itália: Cavour e Garibaldi. Resolveu pois se apresentar incontinente.

Para justificar essa decisão no âmbito familiar, foi onde ele mais acatou os conselhos de seu amigo: sua idade e a de sua noiva. Ambos tinham completado há pouco tempo os 20 anos e portanto o casamento poderia esperar mais 2 ou 3.

Assim ele se apresentou ao exército para satisfazer seu primeiro desejo (lutar sob comando de Cavour e Garibaldi). O segundo (conhecer o Brasil) somente se realizaria muitos anos depois.

Quis o destino, porem, que o adiamento do casamento fosse muito mais longo do que os esperados 2 ou 3 anos.Foi incorporado como soldado conscrito da classe de 1840 ao 45° Regimento de Infantaria em 15.11.1860, sendo, em pouco tempo promovido a soldado de l ° classe e cabo.

Chegando a Vilmezzano, foi recebido com muitas festas e ficou aguardando seu desligamento definitivo.Disse a seus parentes e à noiva que isso iria depender de que o exercito derrubasse um último obstáculo na região de Roma. Ironicamente, ele explicou, as regiões dominadas pêlos "Estados Pontifícios", que deveriam ser as mais fáceis de serem submetidas, porque a igreja, naturalmente colaboraria com a unificação, estavam sendo as mais difíceis de serem ocupadas. As tropas subordinadas ao Papa Pio IX, que ocupavam, alem do Lazio (inclusive Roma), as regiões do Marche e da Romagna, formaram o ultimo foco de resistência a ser vencido e os combatescontinuavam lá.

Alguns dias depois da chegada do Beppe, veio a grande noticia que alegrou toda a "Península Itálica": em 20 de setembro de 1870 as tropas legais entraram triunfalmente em Roma (esse dia passou a ser considerado "Data Nacional da Itália").

O Papa aceitou a derrota e se enclausurou no Vaticano deixando, definitivamente, de interferir na política territorial italiana. Em meio às grandes manifestações de alegria, o menos feliz era o ex sargento que continuava apreensivo. Mesmo depois de ser informado de seu desligamento definitivo em 28 de outubro, suas apreensões não se dissiparam de vez. Somente respirou aliviado quando foram expedidos os documentos que "sacramentaram" sua nova situação, ou seja, o certificado "di Congedo Assoluto" e o certificado de "Buona Condotta", ambos com data de 16 de setembro de 1871. E, por que demorou tanto a expedição desses papeis que lhe permitiram retornar sua vida civile pensar no casamento? O Beppe sabia porquê. Nos últimos tempos que passou no exército, como ordenança de um general, ele, estando sempre em contato com oficiais de alta patente, ficou bem a par de toda situação política. E essa situação não estava totalmente estabilizada, mesmo depois do final das atividades bélicas. Por isso o exército estava segurando os documentos de seus ex-combatentes. Poderia ainda precisar desses homens. Dois fatores dificultavam a estabilização total. O primeiro era o descontentamento dos nobres que antes governavam as dezenas de pequenos países extintos. Muitos deles não se conformavam com a nova situação e por isso havia sempre a possibilidade de revoltas que precisariam ser dominadas. O segundo fator desestabilizador complementava e reforçava o primeiro: grande parte da população, principalmente do centro e do sul sonhava com outra solução. Sonhava com uma republica e agora, além de terem uma monarquia, tinham um rei que não lhes agradava. Vitor Emanuel II, da "Casa de Saboia" antes reinava em duas regiões relativamente pequenas: a ilha da Sardenha e a região do Piemonte no norte da península e agora passaria a ser o soberano de toda a nação unida. Mas o sonho da republica estava difícil de se concretizar. Realizar eleições a essa altura seria um grande risco de convulsão. Poderia até "entornar o caldo" tão duramente conseguido. Assim houve consenso quase geral que o melhor caminho era aceitar a monarquia, já estabelecida. Ela seria um fator estabilizador. Devia-se considerar ainda que o novo monarca, Vitor Emanuel II, havia sido um bom líder durante o processo de reunificação.

Com o novo rei no poder foi formulado um gabinete de coalizão que, mesmo a trancos e barrancos consolidou a situação e garantiu a paz. E assim, o Beppe de posse dos documentos recebidos em setembro de 1871 , pôde finalmente cuidar de sua vida e se preparar para o casamento que ainda iria demorar um pouco. Resolvida a situação militar, faltava revolver a econômica. Depois de tantos anos conturbados a economia do país em geral e da região em particular era um caos. A do noivo então, nem se fala. Enquanto aguardava a ocasião oportuna para o casamento, as ocorrências de sua vida militar vinham sempre a tona nas conversas e ele então passava a relatar suas experiências. Nos cerca de 10 anos que passou no exército foi durante, bastante tempo, ordenança de um general e assim pode ouvir muitas conversas entre oficiais de alta patente, inclusive alguns que tinham mantido contatos pessoais com Garibaldi.

Eles falavam muito sobre a América, um enorme continente que estava se desenvolvendo a passos "rápidos. Imensas áreas desabitadas a serem povoadas. Cidades em grande desenvolvimento. Na América do Norte travava-se uma grande luta interna:

"A guerra da secessão" cujo objetivo era separar os estados do sul que, por ser região agrícola, queriam manter a escravidão, da parte norte, já mais industrializada, que queria libertar os escravos. Com relação ao Brasil (que mais lhe chamava atenção) relatavam que além de estar às voltas com uma guerra externa (contra o Paraguai), enfrentava turbulências internas causadas, também, por dissidências entre os partidários da escravidão e os que queriam aboli-la.

A opinião geral era que, quando essas ações militares se acalmassem, a emigração para o "novo mundo" que já se iniciara, iria atingir grandes proporções, principalmente para os Estados Unidos, Argentina e sobretudo para o Brasil. As grandes lavouras de café iriam precisar de muita mão de obra para substituiros escravos, cuja libertação não deveria demorar muito. O jeito era aguardar! Natal de 1871. Na ceia da família Martini voltou o assunto do casório que nunca saia. Mas agora já havia mais esperanças. O noivo já completamente livre da guerra (e com a satisfação do dever cumprido) e a situação econômica que estava em bons rumos, principalmente com a boa colheita na ultima safra.

Finalmente em 29.06.1872, o irmão da noiva, Padre Giuseppe, que já era pároco de Ferrara de Monte Baldo, veio a Vilmezzano especialmente para fazer o casamento que foi assistido também, entre outros, por seu irmão caçula Luigi, que veio de Verona, onde era seminarista. Como padrinho da cerimônia, estava outro irmão da noiva, Francesco, que tinha se casado com Angela Sartori e tinha 2 filhos: Guerino, nascido em 08.01.1869 e Adolfo Ildebrando, nascido em 02.06.1871.
 

FILHOS DE 
GIUSEPPE MARTINI 

GIUSEPPA ARMANI
FILHOS DE 
FRANCESCO ARMANI 

ANGELA SARTORI 
SILVIO nascido em 26.12.1876
MICHELE nascido em 29.08.1878
ANCILA nascida em 14.11.1880
LUIGI ANDREA nascido em 03.09.1882
GUERINO nascido em 08.01.1869
ADOLFO ILDEBRANDO nascido em 02.06.1871

Passaram-se mais de quatro anos e nas vésperas do Natal de 1876, o casal Beppe/Beppa estava feliz mas apreensivo. Seu primogênito já devia ter nascido, mas atrasou. Esperou passar o aniversário de Jesus para nascer em 26.12. Recebeu o nome de Silvio. E depois vieram os outros filhos: Michele,nascido em 29.08.1878, Ancila em 14.11.1880 e o caçula Luigi Andréa em 03.09.1882. O nascimento dos filhos aumentava a preocupação do casal em relação á parte econômica. Em breve não haveria terras para todos trabalharem e se sustentarem. Ele ficava pensando como antes sra diferente. Há algumas décadas atrás, a família não possuía terras próprias, mas as tinha sempre em quantidade suficiente para todos trabalharem e produzirem. E que naquele tempo os nobres da -família "Carloti de Caprino", possuíam grandes áreas na região. Então os antepassados do Beppe arrendavam, ou pegavam "a meia" o que precisassem e pudessem cultivar. Mas com a decadência dos nobres, a família Martini, embora com grande sacrifícios precisou e conseguiu comprar a pequena gleba que atualmente lhe pertence. O mesmo fizeram outros seus conterrâneos para cultivar e sustentar suas famílias.

Agora, sem as terras dos nobres, só podiam contar com suas pequenas propriedades. Não havia mais áreas disponíveis para comprar ou arrendar, e o que tinham não era suficiente para uma família grande.

Havia também o problema da fabricação da grapa. Antes, quando sua produção era proibida pelo governo, o preço era bem alto e compensador, principalmente porque a fronteira da Áustria era perto e a bebida podia ser levada para lá por outras pessoas.E a família era uma boa produtora de grapa por dois motivos: sua propriedade ficava longe das vias de trânsito mais movimentadas, o que tornava mais difícil a chegada dos fiscais, e, o principal, tinham criado um método próprio de fugir da fiscalização. Prendiam um pedaço de arame nos gargalos das garrafas cheias e as enterravam em um terreno que mantinham arado. Assim, quando os fiscais chegavam nada encontravam, nem na adega subterrânea (onde ficava o vinho), nem em outras dependências da propriedade.

Quando precisavam entregar seus produtos, bastava procurar as pontas de arame que tinham ficado para fora da terra. Por usar esse ardil, a família tinha o apelido de "Companhia do Arame". Agora o negócio da grapa não era mais atraente. Com a regulamentação de sua fabricação, a concorrência aumentou muito e os preços não compensavam mais. Principalmente porque muitos fabricantes produziam uma bebida sem qualidade e vendiam por preços baixíssimos, o que os Martini não sabiam fazer.

Tudo isso passava pela cabeça do Beppe e o levava a sonhar constantemente com o Brasil e suas imensas terras. E esses pensamentos sobre preocupantes anos vindouros se tornavam mais pungentes quando ele se lembrava de seus sobrinhos. Seu irmão Felice já tinha vários filhos e continuara a tê-los. O outro irmão, Ângelo, iria se casar em breve e naturalmente, os filhos viriam. Quanto a sua irmã, Letizia, ele não se preocupava, pois a família do marido, naturalmente se encarregaria de seus filhos. E quanto ao caçula Luigi, tudo bem. Ele era padre e estava com sua vida definida, como professor no Seminário Episcopal de Verona.Mas, de todo modo, a família já estava ficando grande demais para tão pouca terra. Então, o casal rezava muito para que Deus os ajudasse a sair das dificuldades, principalmente as futuras, que se prenunciavam bem agudas.

A situação estava nesse pé quando um fato corriqueiro chamou a atenção para um possível acontecimento que poderia agravar o problema.Aconteceu que o Beppe foi convidado por seu amigo Angelo Zanetti para irem a Caprino fazer algumas compras no armazém dos Sartori. Quando estavam chegando na porta da venda ouviram uma discussão acalorada. Pararam então antes de entrar e ficaram ouvindo. O assunto era a Estrada de Ferro, que estava sendo projetada para unir Caprino a Verona. Um dos que estavam discutindo dizia que a estrada só chegaria a Caprino, mas um outro, muito exaltado, e dizendo-se bem informado garantia que ela continuaria até Spiazzi para levar romeiros e visitantes ao Santuário da "Madona delia Corona", uma impressionante construção encravada, a grande altura, nas rochas laterais de uma montanha.

Acalmada a discussão, os dois amigos entraram na venda, fizeram suas compras e ainda conseguiram carona na carruagem do Giovani Marangoni, um empresário que estava de saída para sua casa, situada próximo a Vilmezzano.

No caminho Beppe estava com o semblante preocupado. Aquela revelação vinha aumentar suas preocupações. E não sem motivo. Se a ferrovia fosse mesmo até Spiazzi, muito provavelmente passaria por Vilmezzano e bem próximo a "Cá Martini"..E então, ele raciocinava:- o aumento da família, naturalmente seria incrementado. Quantos nascimentos a mais! Por influência ferroviária! "Chi Io Sá"!

Outra preocupação para o Beppe era com relação a família de sua esposa, aliás seus parentes, pois tanto sua mãe Maria, como a mãe de sua esposa, Caterina, pertenciam a família Bertoldi.

A família Armani, teoricamente, devia estar com a situação econômica melhor que a família Martini, porque possuía suas terras há bem mais tempo, e portanto não precisava arrendar. Porém, sua gleba era pequena para sustentar uma família grande. E, novamente, vinha à cabeça de Beppe a ta ferrovia. Seu cunhado Francesco já tinha 7 filhos!A casa dos Armani era no centro de Vilmezzano e eles tinham muito prestigio entre seu conterrâneos. Eram os "fabriqueiros" da igreja local (pessoas que cuidam da parte econômica, financeira e material do templo). Esse cargo dava muito prestigio e ainda era mais importante em Vilmezzano porque, devido a pequena população, não havia um pároco permanente e os “fabriqueiros” é que dirigiam tudo.

Mas a despeito disso tudo a situação econômica da família era difícil. Antes eles conseguiam melhorar seus rendimentos com troca de produtos. Levavam para os austríacos na região do Baldo Trentino grappa, açúcar, café... e traziam de lá tabaco e couro para fazer calçados. Mas essa fonte de renda complementar também secou com a expulsão dos austríacos, como ocorreu também com os Martini no caso da grappa.

Por causa de todas essas preocupações os parentes do Padre Giuseppe Armani receberam em 1888, com grande alegria, a noticia que ele partiria para o Brasil. Havia uma grande esperança de que, estando no novo mundo, ele pudesse ajudar seus parentes a ter um futuro melhor do que teriam permanecendo em Vilmezzano.

Cabem aqui algumas informações sobre a vidadesse sacerdote:

Primogênito de Domenico Armani e Caterina Bertoldi, ele nasceu em Vilmezzano, município de Caprino Veronese, dia 09 de junho de 1935. Estudou no Seminário Diocesano de Verona, sendo ordenado sacerdote em 1858 e logo designado como coadjutor da paróquia da pequena cidade do Ferrara de Monte Baldo, a poucos quilômetros da casa de seus pais. Tornou-se Pároco dessa mesma igreja em 1862 onde permaneceu mais 11 anos.

Durante sua permanência em Ferrara, como os afazeres religiosos na pequena cidade eram poucos, dedicou-se, a uma atividade que o atraia: técnicas industriais. Lembrou-se que, quando menino e nas férias do seminário, sentia muito entusiasmo ao observar nas marmorarias próximas à sua residência as técnicas usadas nesses estabelecimentos, que eram muitos, visto que a região possuía grandes jazidas de excelente mármore vermelho. Essas recordações não lhe saiam da memória e ele resolveu agir.

Embora houvesse também o trabalho de construir uma nova igreja, sobravam-lhe sempre algumas horas diariamente para desenvolver o seu lado "engenheiro". Assim, entre outros 'inventos", projetou, construiu e patenteou uma eficiente máquina para cortar o mármore.

Exibida em varias exposições, ganhou menções e despertou o interesse de uma firma que se propunha a fabricá-la industrialmente. Mas surgiu um problema: essa máquina precisava de muita energia, e esta, tanto elétrica como hidráulica era muito difícil e cara na ocasião. Por isso o projeto foi abandonado.

Algum tempo depois, em 1873 foi designado para ser pároco de Oppeano, uma cidade maior, também na província de Verona (cerca de 60 quilômetros de Caprino).

Ali permaneceu até 1888, quando apareceu a oportunidade de viajar para o novo mundo. Uniu-se a um grupo de missionários de S. Carlos de Piacenza que, orientados pelo insigne sacerdote, Monsenhor Scalabrini, partiriam para o Brasil a fim de dar assistência espiritual a milhares de imigrantes italianos que aqui viviam.

Desembarcando no Rio de Janeiro, ficou quase 2 anos nesse Estado, com funções na vila de Paraíba do Sul e outras paróquias da mesma região (Canto Alegre, Cascatinha).

Em Vilmezzano estabeleceu-se um clima de grande ansiedade e esperança. Será que essa viagem iria, finalmente ajudar a resolver os cruciais problemas de família? Era rezar e aguardar.

Quando a primeira carta chegou, quase ocasionou uma descrença em Deus. Sua irmã, seu cunhado e seus sobrinhos diziam: será que depois de tantas orações a Providência Divina nos abandonou? Nosso destino será mesmo viver com todas essas dificuldades que certamente se agravarão com o tempo? Mas por que essa desesperança?

É que o Padre Giuseppe informava que a escravatura havia sido abolida no Brasil e por isso havia grande necessidade de mão de obra. Porém seria muito sofrimento e não compensaria sair de suas terras próprias para enfrentar condições tão adversas. Realmente, na região em que o Padre estava havia muitas fazendas de café e cana de açúcar e portanto havia muito trabalho. Mas era para substituir os escravos na enxada, num trabalho penoso, humilhante e sem perspectivas, pouco diferente do trabalho escravo!

Essa carta abalou a fé de todos, mas não a destruiu, e esperançosos continuaram suas orações.

Essa dolorosa situação durou cerca de 2 anos, quando afinal a correspondência do padre começou a trazer novas esperanças.Era o ano de 1890 e ele tinha sido transferido para o Estado de São Paulo que começava a se industrializar e poderia fornecer novas oportunidades. Além disso a colônia italiana era bem numerosa em São Paulo e, portanto, o ambiente bem mais propício a quem chegasse da Itália. Esse fator era ainda mais notório na região compreendida por Campinas, Amparo, Itapira, Mogi Mirim, Mogi Guaçu, etc., onde os imigrantes italianos eram em sua maioria "vênetos" e muitos deles de Verona. Com todos esses atrativos a pretensão do Padre Armani tornou-se quase uma obsessão e ele, então, além de pedir muito a Deus, tratou de dar uma ajudazinha diligenciando junto a seus superiores para conseguir a tão sonhada transferência, o que finalmente conseguiu: foi designado para a "Paróquia de Mogi Guaçu".

Em Vilmezzano a situação mudou de apreensiva para confiante quando começaram a chegar as cartas datadas de Mogi Guaçu contando sobre as novas possibilidades para os parentes que quisessem emigrar.

Beppe (GIUSEPPE MARTINI) e Beppa (GIUSEPPA ARMANI) viram então suas esperanças renascerem. Ele recordou os sonhos que sempre acalentara desde menino quando ouviu pela primeira vez a palavra Brasil! Será que seus anseios seriam realizados agora, quando eles estavam com quase 50 anos? Ele achava que com ajuda de seu cunhado iria conseguir!

Ao viajar para assumir seu novo cargo, o padre vinha pensando que não teria dificuldades em exercê-lo, pois tinha a prática dos 15 anos em que fora pároco de Oppeano, uma cidade com uma população aproximadamente igual à vilade Mogi Guaçu.

Mas, ao assumir suas novas funções em abril de 1890, sua decepção foi grande. Já ao começar a mexer nos papéis da secretaria, pode fazer uma idéia do que iria enfrentar. Faltavam livros, os papéis e anotações, em completa desordem, estavam estragados, apodrecidos rasgados...! Um verdadeiro caos. Ao fazer uma breve vistoria no templo (construído de barro socado e inaugurado em 06.09.1733), logo viu que a situação era amedrontadora, havia risco até de desabamento. As enormes goteiras haviam apodrecido o madeiramento, e estava derretendo o barro das paredes. Portas e batentes não estavam em melhores condições. Quando procurou alguns fiéis para saber a causa de tamanho descalabro, encontrou novos motivos a desanimá-lo. Foi informado de que imperava na vila um enorme clima anti-clerical. Os fiéis, mesmo os mais beatos, estavam descontentes e até revoltados com o que vinha acontecendo na administração paroquial.

Ativo, como era, vasculhando alguns papéis e ouvindo algumas pessoas, chegou à conclusão de quais as causas de todas essas mazelas: há mais de 8 anos não havia uma administração vicarial razoável. De 1882 a 1884, cinco padres haviam ocupado o cargo, geralmente pó poucos meses, o que os impedia de fazer um trabalho continuado e eficiente. Mal tinham tempo de ficar conhecendo os componentes de seu rebanho.

O último dirigente da paróquia assumira o cargo em dezembro de 1884. Chamava-se Januário Fusco. Tinha um gênio difícil e voluntarioso, como acontece com a maioria de seu conterrâneos, os calabreses. Vivia se metendo em confusões. A primeira delas foi com a Prefeitura.

Ele mandou fechar, com cerca, um trecho de rua adjacente a seu quintal para aumentá-lo Houve revolta da população e foi preciso processo judicialpara desobstruir a rua.

Em 1886, nova confusão. Ele brigou com o “fabriqueiro”, que era o Sr. Joaquim Gomes de Oliveira, daí surgindo grande discussão, com ofensas pessoais feitas em público, com intercessão do oficial do cartório, Sr. Salgado, parente do “fabriqueiro”. Essa desavença teve conseqüências desagradáveis: em fevereiro de 1887, o Sr. Salgado foi assassinadoem Mogi Mirim,onde morava, por um indivíduoviolento e desqualificado, que foi preso e condenado a 15 anos de prisão, cumpridos integralmente. Acontece que durante o inquérito policial surgiram boatos da participação do padre Fusco, como mandante do crime. Nada ficou provado, mas ele foi removido para outra cidade. Devido a isso, a paróquia ficou acéfala, de abrilde 1888 até a posse do padre Armani, em abril de 1890.Estavam explicadas as causas dos problemas. Mas... e a solução, qual seria? Muita dedicação, fé, perseverança e muito, muito trabalho!

Apesar de seus 55 anos bem vividos o novo pároco não se intimidou. Com a disposição dos espíritos fortes e confiantes, arregaçou as mangas e começou sua labuta. Reorganizar a secretaria e recobrar a confiança dos fiéis, inspirar-lhes novamente a fé e fazê-los voltar a freqüentar o templo e trabalhar para sua recuperação, foram as prioridades. Conseguido isso, em alguns meses a igreja tinha voltado a ter o que nunca devia ter perdido: a confiança, freqüência e colaboração do rebanho. O restante seria conseqüência direta disso.

Passado esse período difícil, com a casa (paróquia) já mais ou menos em ordem, o padre-engenheiro, como era conhecido por seus conterrâneos, passou a pensar em suas outras preocupações: a família na Itália e a precariedade do ensino na vila. Entre as várias soluções que pensou para o problema da família, uma logo foi inspirada em seu lado "engenheiro".

Durante a campanha para recuperar o templo, ele havia visitado algumas olarias às margens do rio, todas pequenas e muito precárias. Nessas visitas observou, com seu senso de técnico industrial que, dos vários tipos de argila utilizadas, algumas eram bem maleáveis e com grande plasticidade.

Resolveu, então, que montaria uma olaria, porém melhor aparelhada do que as que vira.Passar da idéia para a realização, com o dinamismo que o caracterizava, foi um passo. Na pequena olaria, inicialmente localizada entre o rio e a estrada que vai para a Cachoeira de Cima, cerca de 50 metros a jusante da ponte ferroviária, ele fabricou os tijolos para erigir um forno bem planejado e construído com todo capricho.

Enquanto isso, diligenciava para a vinda de seus parentes. Pela troca de cartas e telegramas, ficou resolvido que os primeiros a virem seriam seu cunhado Giuseppe, sua irmã Giuseppa e 3 dos 4 filhos deles: Michelle, Ancila e Andréa Luigi. O mais velho, Silvio, continuaria internado no "Ginnasio Superiore di Desenzano di Garda", situado às margens do maravilhoso Lago de Garda e distante cerca de 50 km de Caprino. Essa era a vontade do padre D. Luigi, irmão caçula de Giuseppe Martini. Ele fora, durante muito tempo, professor dessa escola e sonhava fazer de seu sobrinho Silvio um padre para continuar suas obras.

Ficou também combinado que, junto com os parentes, viriam alguns membros da família Brunelli, que entendiam de argila, pois tinham uma olaria na localidade ("paese") de Pazzon,vizinha de Vilmezzano.

Padre Armani sabia que o interesse dos Brunelli era possuir sua própria olaria, mas mesmo sendo assim poderiam ajudá-lo a lidar com o barro, visto que seus parentes eram lavradores e fabricantes de grappa e não oleiros.

Enquanto aguardava seus parentes, o padre-engenheiro cuidava da sua olaria. Construiu, de madeira, uma prensa movimentada por uma roda d'água. Esta porém, ao contrário das comuns, que recebem a água por cima, era acionada por baixo, impulsionada pela correnteza que se formava no rio, abaixo do pequeno desnível que existe sob a ponte ferroviária.

Como não havia os equipamentos e materiais necessários, ele era obrigado a improvisar. Assim, as polias que passavam o movimento giratório do eixo da roda para a prensa, eram ligadas por cordas que faziam o papel das correias, que ele não conseguiu.

Seu grande interesse era fabricar as telhas do tipo "francesa", que eram importadas do porto de Marselha, na França, como as que estão no telhado da estação ferroviária de Mogi Guaçu. A importação desse material é muito onerosa devido ao grande volume e peso. Assim, ele deduzia, se conseguisse fabricá-las aqui, ficaria livre da importação e o fabricante teria um negócio muito promissor em mãos.

Mas suas experiências não iam bem. Devido à grande plasticidade da argila, as telhas prensadas em formas de madeira ficavam aderidas a estas, não se destacavam. Naturalmente pela falta de um óleo lubrificante apropriado. Por isso, ele ficou torcendo para que os Brunelli chegassem logo. Quem sabe eles teriam uma solução para esse problema.

Finalmente a chegada tão esperada deu-se em 1892. Nesse ano, viajando pelo vapor "Rio de Janeiro", desembarcaram em Santos, e passaram pela "Hospedaria dos Imigrantes", em São Paulo,no dia 13 de agosto, além dos já citados parentes do sacerdote, os seguintes membros da família Brunelli: Domenico, sua esposa Julia e os filhos Ernesto, Américo, Luigi e Catina.

Chegando a Mogi Guaçu, a família do Beppe ficou residindo em uma casa próximo à olaria do padre. Como não havia trabalho o tempo todo na olaria, eles passaram a fazer lavoura na várzea em frente a sua casa e a olaria. Além de culturas diversas, plantavam em maior quantidade o alho.

O filho Silvio, que ficara estudando em Desenzano não se conformou com a nova situação longe da família. Assim, ficou acertado que ele também viria, mesmo porque seu tio padre não estava mais no "Ginnasio Superiore de Desenzano di Garda", onde o Silvio estudava e onde D. Luigi foi professor de 1886 a 1890. Esse sacerdote estava então em Roma, onde ocupava o cargo de "Precettore".

Silvio viajou pelo vapor M. Bruzzo, desembarcando em Santos. Passou pela "Hospedaria dos Imigrantes" em 16.06.1893. Ele relata que, em sua viagem de São Paulo para Mogi Guaçu, passou por uma forte emoção, que possivelmente, nunca esquecera! Quando o trem em que ele viajava se aproximava da ponte sobre o rio, e ele vinha, com grande interesse, olhando pela janela, reconheceu seus familiares, que estavam na labuta em suas plantações na várzea próxima à ferrovia. Há tanto tempo sem vê-los, chegou a chorar de alegria e emoção.

Estando toda a família já estabelecida no Brasil, trataram todos os componentes do clã do Beppe de se adaptar à nova vida.Em vez de "Vilmezzanenses" agora eram "Guaçuanos". As atividades agrícolas tinham que ser mudadas para industriais.

Não mais uvas, vinhos e grappa. Agora seriam argila, tijolos, telhas. No lugar dos antigos amigos de Caprino, Pazzon, Porcino... entrariam italianos de várias regiões, espanhóis, portugueses, e em maior número, naturalmente, os brasileiros (guaçuanos ou não)! Mas o importante é que a família de Giuseppe (unida) já estava no novo mundo e agora era tratar de se adaptar, vencer o trauma da mudança, levar a vida para frente: vencer ! ! !


SEGUNDA PARTE
 

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